sábado, 25 de abril de 2015

Quereres


Ah! Eu os tenho
Tantos!
Quereres de paz
Quereres de perdão
Quereres de ficar
Horas a fio
Contemplando
As estrelas cadentes
Rasgarem a saia
Da noite.
Da noite vadia... ora!

Montes Claros (MG), 25-04-2015

RELMendes

terça-feira, 21 de abril de 2015

Repaginando lembranças


Como que do nada
Vem-me à lembrança
O "Velho Casarão" da Fafil
E suas altas soleiras
Por onde... cotidianamente,
Eu palmilhava em busca
De satisfazer minha apetência
De dar sentido
"Ao caminhar de mãos dadas”
De Drummond.

Ao contemplar
Esse “Velho Casarão” da Fafil
E suas altas soleiras...
Pululam-me n’ alma
Recordações das mais venturosas,
Que nem a batuta do tempo
Conseguiu extorqui-las de mim!...
Ah, quantos sentimentos de gratidão!

Nesse 'Velho Sobradão da Fafil”...
A mestra, Yvonne Oliveira Silveira
Espargia, generosamente, fragmentos preciosos
De literatura brasileira e portuguesa
Que, a época, tanto umedeceu o solo intelectual
Deste agreste "sertão robusto":

-Partilhara, sem economias,
 Poetas e poesias
 (para que, mais rapidamente, pudéssemos sorver
  as emoções poéticas ali descritas   
  com tanta perspicácia e inenarrável ternura);
-Lapidou, também, com esmero
  e habilidade incontestáveis,
 O nosso até então insuficiente
 E grosseiro gosto literário...

E hoje,
Ao degustar poetas e poesias...
Percebo que ela, Yvonne Oliveira Silveira
também se perpetou
Profundamente,
Na imortalidade desses imortais
Aos quais nos ensinou a amar
Com imenso desvelo...

Por esses...
E por  tant’ outros  motivos,                                            
Grato, compreendi que sair´... da tenda
Do nosso escondimento , é preciso...
Não só pra observar e "ouvir estrelas",
Mas, também, para repaginar gratas lembranças
Do Velho Casarão da Fafil,
De suas altas soleiras...
E de Yvonne Oliveira Silveira
Vez que por lá tanto conhecimento, sorvi...
Tantos poetas, conheci...
E tantas poesias, aprendi!...

Montes Claros (MG), 19-06-2010


RelMendes

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Frei Jordão, o alegre confessor do Noviço esparolado

Frei Jordão de Oliveira OP

Meu Deus! Quando minha memória se dispões a passear lá no passado, Ela sempre encontra algo de interessante a rememorar. Portanto, vamos acompanha-la em suas andanças pra ver o que ela ira cascavilhar lá no passado já tão distante.
Cá comigo tenho por certo que, novamente, nos conduzirá ao Convento dos dominicanos, situado à rua, do Ouro, bairro da Serra em Belo Horizonte, lá pelos idos de 1961.
Desta vez para falarmos de um cara incrível, e muito santo, frei Jordão.
E por que não?
Ora!  Se nem o tempo conseguiu apagar em mim suas santas lembranças, não serei eu quem as esconderei vez que não seria nem pertinente ao relato, nem tampouco justo ao protagonista.

Quando conheci frei Jordão, ele já era um frade presbítero e vice mestre de noviços. Era um jovem homem de sorriso afável e permanente.
Penso que frei Jordão, em sua juventude, como eu deveria ser “um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones”.
Vez que em sua maturidade, quando o conheci, apesar de acometido por uma terrível doença – uma tuberculose calopante adquirida em uma de suas extravagâncias esportivas, subir a “Serra da Piedade” correndo sem agasalho- sempre o encontrávamos perdido em alegria e brincadeiras interessantes.
Esse cara era verdadeiramente um santo.
Dias após a minha tomada de hábito, eu o escolhi para meu confessor  vez que se ao Mestre de Noviços, considerado a Regra Viva do convento, cabia conduzir-nos ao conhecimento e a vivência do carismas da Ordem, aos demais frades presbíteros, segundo a livre escolha de cada noviço, competia  ouvir-nos em confissão e dar-nos orientação espiritual .

Então, contar-lhes-ei um interessante fato que confirma a santidade desse bom homem com quem tive a oportunidade de conviver no convento por alguns poucos meses:
Certa feita, numa tarde qualquer daquele saudoso tempo, quando fui me confessar, ao bater à porta de sua cela deparei-me com uma enternecedora cena de profunda paciência consigo mesmo e com suas limitações.
Lá estava ele prostrado ao solo de braços abertos e rindo se si mesmo, porque fora tentar rezar de joelhos e caira de bruços ao solo. Ao entrar, disse-me que já se encontrava naquela posição a mais de duas horas a espera de alguém que viesse ajuda-lo a se levanta.
Pediu-me que lhe desse o braço para que pudesse se apoiar e por si só se levantar. Então compreendi que, realmente, ele se encontrava muito debilitado. Mas, a maior surpresa, foi quando me pediu pra ajuda-lo a trocar o hábito que tinha se sujado porque era muito branco.
Meu Deus!... O santo homem era só pele, osso e sondas excretoras do excessivo fluido pulmonar que escorria de  seu magérrimo corpo franzino. E no entanto, nunca ninguém o vira  lamuria-se  de nada. Pronto! Daquele momento em diante, eu já não tinha problema algum! Uma vez recomposto disse-me carinhosamente:
- Frei Boaventura, estou a sua disposição! O que o senhor deseja?
Profundamente encabulado,  disse-lhe:
-Vim apenas reclamar de quase nada. Mas, ao observa-lo com tanta paciência para consigo mesmo, já obtive a paz que eu vim procurar. Agradeci-lhe ternamente, o acolhimento e parti curado, de alma e de mente.     

Conta-se que esse tal frei sorriso, com o qual eu tive o privilégio de conviver ainda que por pouco tempo, morreu brincando com seus confrades que cantavam a Salve Rainha na hora de sua morte.

- “Gente, se desafinarem na minha missa de “réquiem” como estão desafinado agora, eu salto do caixão e saio correndo por ai afora”. 

Contaram-me, também, que após dizer isto, sorriu, respirou fundo e partiu.
Valeu, homem sorriso!
Até breve!    
Montes Claros, (MG), 12-04-2015
RELMendes

   

quinta-feira, 9 de abril de 2015

A “Serra da Piedade” e o noviço estrambelhado


(O exato momento em que eu recebia o hábito de noviço dominicano em BH.)


Vez por outra minha memória passeia lá pelas bandas da Serra da Piedade.
Isto porque por volta do primeiro semestre de 1961, eu e meus companheiros de noviciado fomos descansar lá pelas bandas da tal “Serra”, para nos aliviarmos um pouco das preções da vida conventual impostas pela Santa Regra Dominicana sobre o nosso cotidiano de frades principiantes.

Se bem me lembro, nos levantamos ainda de madrugada. Os sinos do convento badalaram efusivamente por volta das quatro horas da madrugada. Dirigimo-nos à capela; rezamos as matinas; tomamos um café substancial e entramos na velha “jardineira” que nos conduziria à tão decantada “Serra”.

A discrição monástica amainava a euforia que permeava  nossas almas ansiosas por um pouquinho de liberdade. Enfim, já  estávamos vivendo enclausurados há mais de quatro meses naquela santa casa de São Domingos em Belo Horizonte.

O “choffer”, como chamávamos o motorista à época, pos-se atentar  ligar a velha “Jardineira” que se negava, veementemente, a pegar.
Contudo, depois de algumas tentativas o motor deu sinal de vida. Pegou e pusemo-nos a estrada. A tal ‘Jardineira” andava tão devagar que imaginava comigo mesmo:
- Não seria melhor irmos a pé?
Mas mantive um semblante de paz como é de bom tom a um aprendiz de frade.

Duas ou três horas depois de uma viagem atribulada pelo desconforto da poeira e a lentidão de locomoção do nosso veiculo,nos deparamos na beira da estrada com três senhoras de semblante angelical que nos pediram carona. Eram três irmãzinhas de Jesus da congregação fundada por Charles de Fouceuld. Ficamos muito encantados com a essência da vocação dela:
- Viver a vida oculta de Nazaré.
Na realidade a época eu desconhecia essas ricas peculiaridades de cada uma das inúmeras maneiras de viver a vida religiosa na Igreja Católica.
Mas de repente, a “velha Jardineira” parou e as três freirinhas desceram e logo saltaram na boleia de um caminhão que transitava pela estrada e partiram, deixando-nos encantados.
Fiquei sabendo depois que antes de elas abraçarem a vida religiosa, uma era medica, a outra era engenheira e a terceira era advogada. Enfim, eram três mulheres de muito valor que se dispuseram a largar tudo para seguir Jesus com radicalidade.

Bom!
Alguns minutos depois estava-mos aos pés da “Serra”. Descemos da “Jardineira” e pusemo-nos a escala-la lentamente.
Pouco a pouco o cansaço e a fome se apoderaram de nós. Quanto mais subíamos, mais distante nos parecia o pico da “Serra”.
Eu mesmo já me perdia em murmúrios secretos. Pois um frade, mesmo que principiante, não deve reclamar de nada, nem tampouco deixar transparecer tristezas. Mas, embora contrariadíssimo e aborrecidíssimo, lá ia eu subindo, subindo rumo ao cume da “Serra” onde ansiava usufruir um pouco de maior intimidade com Deus.

Já se fazia crepúsculo quando chegamos ao topo da amada “Serra” e à frente da bela capela de Na Sra da Piedade. Então, nos desfizemos das cargas de mantimentos que trazíamos nos ombros. Gente, o vento assoviava estridente e gélido, era frio pra dá com pau! Imediatamente após a chegada, nos introduzimos no átrio da capelinha e nos posemos a cantar às Vésperas e as Completas, que são orações que concluem o dia de oração de qualquer frade. Logo em seguida nos lançamos, cada um em seu catre, sem ao menos nos lembrar que estávamos famintos.  

Meu Deus! Nunca um alvorecer fora, em nossas vidas, tão esperado. Porque nem o frio congelante, nem  a fome de lobo faminto, nem tampouco os abusados pernilongos nos deram um só instante para pregarmos as pestanas durante a noite inteirinha.
Portanto, mal soara a primeira badalada do sino da capelinha, saltamos dos triliches e sem lavar a cara ou fazermos a higiene bucal, no dirigimos, de imediato, à capelinha para cantarmos  as “Matinas”, dando  assim inicio aos primeiros louvores diários de um frade . logo em seguida fomos degustar a primeira alimentação do dia que nós mesmos tratamos de preparar: Um pãozinho amanhecido, umas bolachinhas daquela bem simplesinhas, um chazinho feito com água de bica e um cafezinho bem ralinho.

Após essas primeiras façanhas do dia, nos pusemos a meditar ao ar livre e a contempla as belezas da natureza que Deus criou.
Passada a fase do imenso encantamento, nos dividimos em equipes para dá encaminhamento as tarefas do dia. Coube a mim, em religião chamado frei. Boaventura, ao padre mestre ( frei Emammuel Maria Retumba), a frei Leandro, frei Guido e a frei João Evangelista  limparmos a velha capelinha muito empoeirada.
À medida em que a limpeza se procedia, descobri atrás do altar-mor um velho e lindo crucifixo jogado às traças. Chamei o padre mestre e  mostrei-lhe o belo crucifixo, dizendo lhe:
- Podíamos leva-lo para a nossa capelinha do noviciado. Então, ele disse-me:
-Para tanto você terá que pedir o crucifixo ao frei Rosário. Você tem coragem?
 Disse-lhe sorrindo:
-Tenho! Por que não.
Então, zombando de mim, disse-me:
-Então, não perca tempo, vá logo!
E lá fui eu todo serelepe rumo a ermida de frei Rosário.
Não me lembrara em momento algum de sua fama de bravo.
Ingenuamente, pus em sua bater à sua porta sob os olhares curiosos de meus companheiros de noviciado. De repente a porta se abriu e eu me encontrava face a face com uma figura carrancuda de dois metros de altura.
-Bom dia! Disse-lhe eu sorrindo.
-Bom dia! Respondeu-me aos berros.
- O senhor poderia dar-me este belo crucifixo para colocarmos na capelinha do noviciado.
Esbravejando respondeu-me:
- Você não tem o que fazer, coloque o crucifixo imediatamente onde você o achou.
Virou-se e bateu a porta em minha cara. Pra dizer a verdade em momento algum fiquei zangado com ele. Mas muito me aborreceu a gozação explicita dos outros frades. Coloquei o crucifixo onde achei e não toquei mais no assunto.

Por fim, completada nossa rápida estadia prevista na “Serra da Piedade”, arrumamos nossas tralhas e retornamos ao convento de origem para darmos prosseguimento à  nossa aprendizagem religiosa nos moldes da regra de São Domingos.
Passados uns três dias de nosso retorno ao convento, Pe. Mestre bateu à porta de minha cela, abriu-a e disse mim:
- Frei Boaventura, o Frei Rosário está lhe esperando lá na porta do noviciado.
Embora arredio, ou melhor, tremendo nas bases, respirei fundo e dirigi-me à porta do noviciado. Ao abri-la, muito encabulado, o cumprimentei com um discreto aceno de cabeça e um sorriso amarelo, e ele pois se a falar em alto e bom som:
-frei Boaventura, aquele crucifixo que você gostou não posso dá-lo porque não me pertence. Mas, trouxe este que acabei de ganhar porque penso que ficará muito bem na Capelinha de vocês. Boa tarde!
Gente, o presente era de veras belíssimo! Foi uma grande festa no noviciado.
Ah! Boquiabertos com esse inesperado arroubo de generosidade do nosso nobre ermitão turão, eu e meus companheiros de noviciado, alem de perdidos em espantos de alegria, apreendemos, profundamente, que também por trás de um homem grosseiro pode haver um ser generosíssimo.

Então, até a próxima crônicasinha da época desse ex-noviço estrambelhado.

Paz e bem!

Montes Claros (MG), 09-04-2015

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